Em Nova Iorque tive a oportunidade de conhecer de perto instituições que foram verdadeiras inspirações para o Pé de Feijão com hortas pela cidade e oficinas para educação alimentar
Por Patricia Byington*
Entre julho e outubro de 2018, tive a oportunidade de explorar a relação das pessoas com a alimentação e com os espaços públicos e privados de cidades da costa leste e oeste dos Estados Unidos. Neste texto vou contar sobre as iniciativas que conheci em Nova Iorque. Duas delas, desde o início do desenho do propósito do Pé de Feijão, foram nossas inspirações.
Quebra de paradigmas
Uma das principais inspirações do Pé de Feijão lá no comecinho, em 2014, a Brooklyn Grange é a maior empresa de agricultura em topo de prédios (rooftop farming) dos Estados Unidos. Visitei duas de suas hortas próprias (a terceira está em construção), enormes oásis verdes produtivos e acolhedores, totalizando mais de 8 mil m2.
Na horta da Brooklyn Navy Yard, parque industrial onde antes foram construídos navios de guerra, participei de um workshop com a Anastasia (Cole Plakias), uma das fundadoras do Brooklyn Grange. Ela compartilhou a história da empresa e lições aprendidas até se firmarem como um negócio lucrativo a partir da venda de produtos das hortas para restaurantes e varejistas, além do desenho e implementação de hortas para outras organizações como a sede da ONU em Nova York e a realização de eventos nos espaços. Até casamento já aconteceu ali, numa ampla área onde foi servido um almoço delicioso para os participantes do workshop, obviamente com muitos produtos da horta. A empresa também oferece um programa de de “community supported agriculture (CSA)” para quem deseja obter alimentos direto das hortas por um valor fixo na temporada. Na minha visita à horta do bairro do Queens, no topo de um prédio comercial, visitei a pequena feira aberta ao público e observei os participantes do programa levando seus produtos para casa.
Anastasia foi muito enfática sobre a preocupação social da empresa em transformar o sistema de alimentação perverso que adoece e endivida pessoas mais vulneráveis. O modelo de plantio em solo foi escolhido pelos sócios fundadores pelo potencial educativo e transformador das experiência nesses espaços. O interesse de escolas pelas visitas foi tão grande que a Brooklyn Grange criou a organização “irmã” City Growers, dedicada exclusivamente às atividades educacionais junto a crianças e jovens na horta, visando a construção de comunidades mais verdes e saudáveis.
É com modelos e serviços em constante aperfeiçoamento para responder aos desafios de alimentação na cidade que a organização continua a nos inspirar. Mais sobre a Brooklyn Grange no site e livro escrito pela Anastasia.
Empoderamento e novas oportunidades
Em um sábado ensolarado de verão, fui conhecer a Harlem Grown, em sua principal horta comunitária e tive a sorte de poder ouvir o fundador Tony Hillery contar sua história para um grupo de visitantes, ao qual me juntei. Depois de perder o emprego e ser voluntário numa escola de alta vulnerabilidade social do Harlem, Tony passou a se dedicar a quebrar o ciclo de pobreza das crianças que vivem em abrigos e cujas famílias dependem de programas sociais do governo para sobreviver.
Ele começou com a transformação de um lote abandonado em horta, envolvendo as crianças e a comunidade, motivado pela desconexão dos mais jovens com a origem dos alimentos e a ausência de muitas frutas, legumes e verduras em suas dietas. Hoje, são 10 hortas comunitárias que servem como espaço de aprendizado sobre agricultura urbana, sustentabilidade e nutrição. Porém, o objetivo maior vai muito além: servem como ambientes de convívio com outras pessoas da cidade e do mundo, além de empoderamento e criação de novas oportunidades e referências para as crianças que fazem parte do projeto.
Tony me convidou para uma volta de carro pelo bairro até a nova horta que estava quase pronta. No caminho, me mostrou evidências da enorme desigualdade social que assola o Harlem: abrigos de mulheres e crianças em pobreza extrema convivendo lado a lado com imóveis que custam alguns milhões de dólares. Um bairro gentrificado com poucas opções de comida saudável a preços acessíveis e farmácias por todos os lados. E é por isso que os espaços ociosos tem um papel chave na atuação da Harlem Grown: Tony e sua equipe exploram sua vocação como centros de prosperidade que transforma a relação entre as pessoas, a natureza, a comida, a cidade e o futuro.
Na volta à primeira horta, depois de me despedir de Tony, me juntei aos voluntários que tiravam alguns matinhos do canteiro (tinha pés de feijão!). Aprendi a fazer dumplings, aqueles bolinhos chineses fritos, de vegetais colhidos nas hortas na companhia da equipe da Harlem Grown, de outros voluntários e de três meninas cujas vidas estão sendo transformadas pela organização, com quem tive o prazer de conversar e compartilhar o motivo de minha visita de longe. Saí da horta com alguns legumes e lições de vida.
Oficinas sobre educação nutricional
Peguei um trem da Grand Central Station até o estado de Conneticut para conhecer a New Haven Farms e seu programa de bem estar baseado em hortas (farm based wellness program). Em 2014, ao lermos um artigo no New York Times sobre a organização, fomos extremamente inspirados no Pé de Feijão pelo que acontece ali. Ao longo de 16 semanas, pessoas com doenças crônicas ou com alto risco de desenvolvê-las participam de oficinas sobre educação nutricional – e a sala de aula são hortas comunitárias em bairros de baixa renda da cidade.
O melhor desse modelo: a solução é recomendada pelos médicos que atendem esses pacientes, por meio de parcerias da com clínicas e centros de saúde locais, como o hospital da faculdade de medicina da Universidade de Yale, que fica na cidade. Conhecimento, habilidades na cozinha e acesso a alimentos saudáveis como remédios. Fui recebida na cidade pela Jacqueline Maisonpierre, diretora da NHF, e na horta conheci as embaixadoras de saúde na comunidade e outros membros da equipe. Pude acompanhar uma oficina com orientações sobre leitura de rótulo, quantidade de açúcar nos alimentos e como fazer um smoothie saudável, que provamos ali na hora.
O programa atende principalmente a comunidades negras e hispânicas da cidade, que apresentam altos níveis de síndrome metabólica, hipertensão e diabetes. Para o público de hispânicos, há um programa separado, em espanhol, e que também considera as especificidades culturais em torno dos alimentos, assim como a prevalência de doenças e padrões comportamentais variados. No final da oficina, cada um leva um saco de legumes e verduras colhidos na horta.
Enquanto os adultos assistem à oficina, relatam suas dificuldades e avanços e tiram dúvidas, as crianças ficam sob a supervisão da equipe, que aproveita o espaço da horta para envolvê-las desde cedo em uma relação mais próxima com a comida de verdade. A mensuração dos resultados, em parceria com organizações especializadas e em constante aprimoramento, demonstra mudanças significativas na inclusão de frutas, legumes e verduras nas dietas dessas pessoas e na diminuição de fatores de risco das doenças crônicas não-transmissíveis. Foi inspirador ver tão de perto o que acreditamos no Pé de Feijão ser um modelo com enorme potencial para ser adotado na prevenção e tratamento de doenças em maior escala pelos serviços de saúde pública e privada.
Amanhã conto da minha experiência em Los Angeles. Acompanhe por aqui.
* Patricia Byington é parte do time de fundadores do Pé de Feijão mobilizados pela necessidade de transformarmos nossa relação com alimentos. Formada em administração pública, tem mais de 10 anos de experiência em ações de impacto social.
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