Encerrei a viagem em Berkeley e Oakland onde atividades integradas ao currículo e no contraturno escolar preparam as crianças para um futuro que não podemos negar
Por Patricia Byington*
Após conhecer os projetos que sempre quis visitar em Nova Iorque e conhecer pessoas inspiradoras em Los Angeles, foi a vez de me direcionar a outras duas cidades na Califórnia e encontrar na educação um prato cheio de possibilidades para trabalhar a alimentação.
Iniciativa escolar em Berkeley
O projeto The Edible Schoolyard foi criado há mais de 20 anos pela renomada chef Alice Waters na Martin Luther King, Jr. Middle School. Como o site deles define, “aqui os alunos são agricultores, cozinheiros, aprendizes e professores”. A diretora pedagógica Angela McKee-Brown me recebeu na porta da escola e me levou à horta de 4 mil m2 com diversas espécies plantadas em solo, sistema de compostagem, galinhas, com infraestrutura para aulas práticas de muitas das disciplinas da escola – e até forno de pizza acompanhado de oliveiras.
As atividades são integradas ao currículo de maneira cuidadosamente planejada entre as equipes da escola e do Edible Schoolyard. A cozinha do projeto, ao lado da horta, é também um espetáculo à parte. Fui convidada pela Angela para o almoço de boas vindas aos novos estagiários do projeto, e é claro que saboreamos frutas, legumes e verduras da horta. A combinação de horta e cozinha representa o que o projeto define como “edible education”, ou educação comestível. Um modelo que funciona como um enorme laboratório vivo sobre ciências, história, cultura, nutrição, meio ambiente. Um espaço de construção de soluções de valores pela equipe de educadores, chefs e agricultores que acreditam no poder de transformação pela comida.
O Edible Schoolyard também oferece formação para educadores de qualquer canto do mundo interessados em implementar a educação comestível em suas escolas, com um foco nos aspectos sociais da alimentação. Outra frente de trabalho são as ações de advocacy, como a contribuição para a exclusão de alimentos processados das merendas escolares de Berkeley e introdução de mais alimentos frescos. E uma petição está atualmente no ar para que escolas se manifestem por almoços gratuitos e sustentáveis, com ingredientes de produtores locais responsáveis social e ambientalmente.
Nos projetos realizados pelo Pé de Feijão em escolas, testemunhamos o desejo por novas abordagens na experiência de aprendizado que contemplem sustentabilidade, nutrição e saúde de forma integrada. São exemplos como o Edible Schoolyard que demonstram a viabilidade de modelos educacionais inovadores, a partir do alimento no centro das reflexões e da formação de cidadãos.
Horta no contraturno escolar
No final da viagem, visitei o Oakland Museum e fui surpreendida por uma exposição sobre agricultura urbana na cidade. Com fotos, textos e instalações interativas para adultos e crianças a “TAKE ROOT” deu destaque às pessoas e suas iniciativas que contribuem para criar comunidades mais humanas e saudáveis, por meio de soluções para os principais desafios identificados para o plantio e consumo local: alto custo da terra, falta de mercados com produtos frescos e solo contaminado.
Em um mapa composto por diferentes camadas, era possível enxergar a situação dos bairros em cada um desses aspectos e identificar desertos alimentares ou áreas mais favoráveis ao plantio, por exemplo. Em outro mapa estavam marcadas todas as hortas urbanas da cidade.
Uma das iniciativas destacadas era a Acta Non Verba, que fui visitar no leste de Oakland. O projeto foca em proporcionar experiências educativas para crianças e jovens por meio da agricultura urbana em um bairro socialmente muito vulnerável na segunda cidade mais perigosa do país, e oficialmente considerado um deserto alimentar pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Encontrei com o Aaron De La Cerda, educador e gerente da horta do projeto que fica no parque Tassafaronga, rodeado por um novo conjunto habitacional premiado. Ele me contou sobre a influência do programa de contraturno escolar na atitude empreendedora dos participantes mais velhos, que são incentivados a vender os produtos da horta – a receita é depositada em poupanças individuais que ajudam a garantir recursos para custear sua educação no futuro.
Essas são apenas algumas das práticas que estão interferindo positivamente nas falhas do sistema e criando novos padrões, referências e valores para as comunidades urbanas dos Estados Unidos. A ótima notícia é que há muitos outros. Das conversas e trocas saí com mais certeza de que as ações em escala local, com impacto evidente nas pessoas envolvidas, servem de modelos poderosos no redesenho de sistemas da cidade, da alimentação e de tudo o que influencia nosso bem estar. Entendi também que temos muito a compartilhar sobre o que fazemos por aqui, e não apenas com iniciativas de outros países, mas também entre nós, seja em São Paulo ou Brasil afora.
Vamos transformar nossa relação com a comida e construir juntos as cidades que queremos?
Contem com a gente!
*Patricia Byington é parte do time de fundadores do Pé de Feijão mobilizados pela necessidade de transformarmos nossa relação com alimentos. Formada em administração pública, tem mais de 10 anos de experiência em ações de impacto social.
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