Em Los Angeles, conheci um dos mais importantes ativistas sociais da agricultura urbana no mundo e também uma diretora que tem como referência o Guia Alimentar para a População Brasileira – a principal base para as soluções do Pé de Feijão
Por Patricia Byington*
Depois de visitar, em Nova Iorque, projetos inspiradores que tivemos como referências no início do Pé de Feijão, foi a vez de conhecer pessoas incríveis em Los Angeles e vivenciar gratas surpresas.
Ron Finley é um dos mais conhecidos ativistas sociais da agricultura urbana no mundo. Em seu TED, visto mais por mais 3 milhões de pessoas, Ron relata as barreiras burocráticas e políticas que surgiram após transformar em horta um canteiro de calçada em frente à sua casa. Sua intenção era simples e ousada: produzir sua própria comida, já que era necessário uma viagem de 20 minutos de carro para comprar uma fruta no bairro de South Los Angeles. Para Ron, no sistema alimentar dos EUA, plantar sua própria comida significa plantar seu próprio dinheiro.
Foi na ponta dessa mesma calçada que tive a sorte de encontrá-lo enquanto ele cuidava da horta – e não parou de colher frutas, tirar pragas e podar os canteiros ao longo de toda a conversa. Entramos na casa onde ele vive e onde fica o escritório do projeto que leva seu nome, com uma enorme horta em centenas de vasos ocupando uma piscina vazia.
Conversamos sobre nossos diferentes modelos organizacionais e ouvi de Ron o que mais o incomoda: a falta de poder e independência criada por um sistema cheio de falhas em que a comida é apenas uma de suas manifestações. Sua atuação ganha força graças a uma rede de apoio que vai de chefs a atores de Hollywood, passando por empresas de alimentos saudáveis e artistas de rua como o brasileiro Cadumen. Entre iniciativas de engajamento e inspiração realizadas em Los Angeles, pelo país e mundo afora (Ron esteve em São Paulo no início de 2018, no evento Fru.to, que a equipe do Pé de Feijão acompanhou), um sonho: construir um centro comunitário dedicado ao aprendizado sobre nutrição, onde as pessoas podem plantar, trabalhar e relaxar. Um ecossistema autossuficiente de saúde e desenvolvimento econômico como exemplo de oásis na cidade.
Na missão de Ron, artista, designer e “gangster gardener” (ou jardineiro de guerrilha, como ele gosta de se chamar), arte e natureza são inseparáveis e a beleza nos detalhes de uma horta são manifestações artísticas poderosas. Mas é a sua visão do todo que viabiliza as intervenções e conexão de pontos para a mudança. Para ele, os sistemas precisam ser redesenhados e todos precisamos ser capazes de enxergar que se as coisas funcionam de um determinado jeito, é porque alguém as desenhou para serem assim. Portanto, se quisermos ver mudanças por cidades mais justas, saudáveis e inclusivas, é necessário questionar e redesenhar o sistema, as cidades, seus espaços. Antes de ir embora, ganhei uma camiseta do projeto com a mensagem que resume a missão de Ron: “plant some shit” ou “plante alguma merda” em tradução clara. Ou seja, comece com o que estiver à sua disposição!
O alimento e suas conexões
Conheci o FEAST quando já estava em Los Angeles. Marquei uma conversa com Dana Rizer, diretora executiva, e rapidamente descobrimos um enorme alinhamento de missões entre nosso trabalho. Ouvi dela que o Guia Alimentar para a População Brasileira – a principal base para as soluções do Pé de Feijão – foi grande referência para o reposicionamento da organização e de seu programa de oficinas.
O FEAST reconhece e valoriza a interconexão entre alimentação, emoção, comportamento, cultura, corpo e foca nos aspectos emocionais da experiência de cozinhar e compartilhar uma refeição em conjunto. Seu principal impacto está hoje num programa de formação culinária de 16 semanas voltado para hábitos de alimentação mais saudáveis, por meio de um currículo fixo e adaptável a contextos específicos de cada organização comunitária que recebe o projeto.
É no modelo de capacitação que o FEAST aposta para gerar impacto em escala. Os formados são geralmente parte de uma comunidade – uma escola, uma igreja, um centro comunitário – onde as aulas acontecem. Mais do que aprender a cozinhar, os grupos compartilham seus desafios e conquistas, conhecimentos e desfrutam juntos de refeições criadas a muitas mãos.
No dia seguinte, participei de uma oficina no escritório do FEAST com outras participantes, todas mulheres de origem hispânica, incluindo a Judith, que conduziu a oficina e foi formada anteriormente no programa. Iniciamos com uma boa conversa em espanhol sobre cada uma de nós, nossas origens, hábitos alimentares e preferências antes de ela nos ensinar uma receita rápida e fácil de abobrinha temperada de forma improvisada, mas ainda saborosa e saudável.
O desafio proposto: cozinhar com o que está disponível em casa, improvisar nos sabores e reduzir a dependência de produtos industrializados para temperar legumes e verduras. Uma das mulheres, a única novata, levou seu casal de filhos e ficou emocionada e surpresa quando o mais novo pediu para repetir o prato. “Ele não come nada de verduras e legumes!”. Ela também não gostava de abobrinha, porque achava sem graça e não sabia como preparar. No final, as participantes levaram produtos doados por um mercado de produtores locais parceiro – nas grandes cidades que visitei, os “farmers’s markets” encurtam a distância entre produção e consumo com opções frescas, variadas e até orgânicas, mas nem sempre as mais acessíveis.
O crescimento do FEAST acontece por uma expansão para Nova York e novas fontes de receita como a venda do conteúdo e metodologia de suas oficinas no site.
*Patricia Byington é parte do time de fundadores do Pé de Feijão mobilizados pela necessidade de transformarmos nossa relação com alimentos. Formada em administração pública, tem mais de 10 anos de experiência em ações de impacto social.
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